terça-feira, 8 de julho de 2008

UMA HISTORIA DE LEITURA PERIGOSA...

A imagem de minha avó naquela manhã de 1968 guardo até hoje na minha memória, e só tinha seis anos de idade.
Minha avó paterna tomada por um sentimento de proteção materno muito intenso, queimou um dos poucos livros que existiam na casa em que eu morava com meus pais e irmãos. Logo aquele livro que de vez em quando eu folheava, não lia ainda direito, mas ele me atraía, era maior que a maioria dos livros que possuíamos, com a capa vermelha com imagens de um país muito diferente e de pessoas, que na época, acreditava serem japonesas, olhos puxados para mim era sinônimo de pessoas japonesas.
Na época a única explicação que tive sobre a atitude intempestiva de minha avó, que normalmente era uma pessoa tão doce e tranqüila, era que o tal livro era muito perigoso. E de imaginar que por tantas vezes estive com ele nas mãos sem desconfiar que ele fosse tão poderoso ao ponto de despertar em minha avó tamanha ira... Foi o meu primeiro e mais significativo contato com um livro apesar de não ter o lido e não ter entendido nada do que estava se passando.
Só fui descobrir sozinha o que representava tal acontecimento doze anos depois quando vozes e livros começaram a falar e a contar a história daqueles anos chamados de chumbo e que para mim passaram tão leves. Descobri por fim o nome do livro “A Revolução Cultural na China”de Mao Tse Tung. É, minha avó tinha razão, a razão de uma época.
O meu desejo pela leitura não foi, apesar do episódio acima, construído no meio de livros e de leitores, nada disso ocorreu, tínhamos apenas alguns livros na sua maioria destinados a pesquisas da escola, jornais no fim de semana que meu pai lia, mas muita, muita música, e acho que foi aí que o meu gosto pela leitura foi se desenvolvendo.
Meu pai adorava música e sempre aparecia com um disco novo em casa. De Chico Buarque ele trouxe “Construção” lançado em 1972, eu cantava todas as músicas, lia as letras na contra capa e ficava a cantar o dia inteiro, para desespero de todos. O de Noel Rosa que fazia parte de uma coleção de grandes clássicos do samba, era também um dos meus preferidos, não era uma coisa muito normal uma menina gostar de cantar um músico do início do século, enfim... Hoje eu sei que a música foi minha grande companheira na infância, e até hoje quando a escuto tenho uma sensação muito boa de paz e tranqüilidade.
Da música, que tanta satisfação me proporcionava, passei por volta dos catorze anos a conviver, na casa de meus avós, com os livros de minha tia que freqüentava o curso de Letras. Ela organizou em um pequeno quarto a sua pequena biblioteca, que contava com vários títulos. Quando ia para casa de meus avós ficava horas a fio olhando cada livro daquele pequeno e ao mesmo tempo tão grande espaço. Aquela pequena biblioteca tinha um cheiro que era só dela, que agora vem na minha lembrança. Foi lá que conheci vários autores como Hermann Hesse, Franz Kafka, Manoel Bandeira, encontrei Jorge Amado, e muitos outros.
A partir daí, sempre estava lendo um livro que passou por vários estilos, como aos dezesseis anos onde o budismo estava sempre presente, passando para os livros que foram relançados com a abertura política, onde fiz grandes descobertas da vida política e social de um período em que era criança, inclusive do misterioso livro vermelho. Hoje continuo lendo, sempre de acordo com o que estou vivendo, e com os interesses que vão surgindo e concordando com minha avó, mas comemorando: o livro é muito perigoso!
Célia Maria Ribeiro
Para ampliar a reflexão veja o vídeo...

Um comentário:

Adri disse...

Célia,
Seu texto, não me canso de falar, está muito bom!! Espero que vc sempre tenha novos "perigos" para contar desse jeito bonito.
Beijos,
Adriana