A partir da postagem anterior do conto do Galeano sobre os livros que moram dentro da gente podemos dizer que o narrador é esse que conta as histórias “de dentro dele” para seus ouvintes, leitores... De onde elas vieram não importa, importa como elas se tornaram parte de sua história...
O que faz com que contemos nossas histórias? Porque passamos ou não adiante o que vivemos? O que pode ser considerado importante para ser contado aos outros?
Ao falar sobre a narrativa, Benjamin fala que a narrativa vem do saber dos viajantes e dos moradores mais antigos das localidades. Os viajantes porque ao viajar vêem e ouvem muita coisa e tem muito para contar... Os moradores, porque por viverem muito e há muito tempo na localidade, conhecem muitas histórias e já viveram muita coisa, logo têm muitas histórias para contar. E não são poucas as histórias que esses sujeitos têm para contar... O narrador é aquele que retira da sua experiência a matéria de sua narração. Narra a partir do que vive.
Benjamin comenta que a guerra deixou mudas as pessoas, fez com que não tivessem mais o que contar e narrar, o que passar adiante. Isso porque não tinham experiências significativas que merecessem ser passadas adiante, compartilhadas. Contar o que vive-se numa guerra não é algo que seja desejável nem para quem conta e nem para quem ouve.
Minha experiência familiar exemplifica bem essa diferença entre poder ser ou não narrador. Meu pai viveu sua infância de pé no chão, tomando banho de cachoeira, pegando frutas no pé, pregando peças nos primos, brincando com os bichos e inventando histórias em meio aos bois, aranhas(mesmo!) e aventuras. Comendo melado, se lambuzando no chuvisco de Campos e vivendo com uma família grande de muitos irmãos, tios e primos. Já minha mãe passou sua infância inicial até 6 anos de idade na guerra na Alemanha. Nasceu na II Guerra Mundial. Veio fugindo da guerra com a mãe e dois irmãos por volta dessa idade para o Brasil. Era a filha mais velha. Nunca mais viu seu pai que ficou por lá só o vendo depois de adulta quando já era casada e eu já tinha nascido. Viveu sua infância em colégio interno pois sua mãe, minha avó, tinha que trabalhar para criar sozinha os três filhos.
Outro dia lembrando da minha infância ficou muito claro para mim o que diz Benjamin em seus textos. Meu pai contava muitas histórias da sua infância, da sua terra, das brincadeiras que fazia na sua época... Minha mãe sempre que eu perguntava sobre sua infância só lembrava da guerra, de ter uma batata para comer por uma semana, de correrem para o porão com as bombas... Mas me lembro que perguntava: mas mãe de que você brincava? O que fazia quando era criança? Que historias você ouvia? Ela nunca me falou muito sobre o que viveu nesse tempo e nem contava histórias. Talvez a guerra realmente a tenha emudecido nesse aspecto. Quando contava ela só lembrava de histórias da juventude quando a infância da guerra já tinha ido longe, quando a vida já tinha recuperado suas forças. Momentos em que ela já podia (e já tinha o que contar) do que viveu... Pois como nos diz Galeano em outro conto “o medo seca a boca” nos impede de contar e passar adiante o que vivemos. Mas as histórias de nossa vida existem para serem contadas, serem ouvidas e conservarem aceso o enredo da humanidade. E como nos diz Gilka Girardello eu espero “que não tenhamos que esperar os cabelos brancos para compartilhar nossas mais divertidas, assombrosas e emocionadas histórias”(on-line).
Que isso sirva para pensarmos o quanto nossa vida nos permite (e nós também nos permitimos) sermos ou não narradores. O quanto também alguns vivem “as guerras do cotidiano” que deixam mudos o seu contar, tiram-lhes a sedução do ver e do fantasiar sejam eles crianças, jovens, adultos ou idosos... Afinal, como podemos ter uma vida que, com a magia do olhar, veja em nosso cotidiano sempre histórias para contar e passar adiante?
Adriana Hoffmann
Os professores, por Valter Hugo Mãe
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