Em nossa última reunião lemos o livro “Guilherme Augusto Araújo Fernandes” de Mem Fox, que trata de um menino que queria ajudar uma senhora do asilo vizinho a sua casa, porque todos diziam que ela havia perdido a memória. Ele não sabia o que era memória e perguntou aos seus pais e aos demais adultos do asilo. Cada um definiu MEMÓRIA segundo sua idéia sobre essa palavra, mas o menino não se contentou. Então, com sua criatividade infantil, juntou alguns objetos de sua vivência e os levou para aquela senhora “desmemoriada”. Mostrando-os a ela, histórias de sua vida foram voltando e trazendo sua memória de volta. Augusto entendeu que ela havia perdido as memórias dentro dela mesma e que poderiam ser resgatadas... Bastava um pouco de sensibilidade.
Sem precisar ir a um asilo, mas apenas à casa dos meus avós, os filhos e netos resgatam as memórias de uma vida cheia de lembranças que aconteceram paralelamente a fatos históricos do século XX descritos pelos livros de historiadores. Permeada de leituras de contos e poemas, além de muita seresta, nossas reuniões familiares são marcadas com alegria, comilança, fogueira e violão. Como uma típica família italiana!
Nossa próxima reunião será realizada para comemorarmos os 90 anos do meu avô e, sem dúvida, milhares de histórias surgirão. O prazer que ele tem é de compartilhá-las com seus familiares.
Sua música favorita é Lua Branca de Chiquinha Gonzaga que, ainda hoje, com certa dificuldade – porque suas mãos não possuem mais a agilidade da juventude – toca com emoção.
Oh! Lua branca de fulgor e de encanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Oh! Vem tirar dos olhos meus o pranto
E vem matar esta paixão que anda comigo
Oh! Por quem és, desce do céu oh! Lua branca
Esta amargura do meu peito oh! Vem arranca
Dá-me o luar da tua compaixão
E vem por Deus iluminar meu coração [...]
Em seu livro, meu avô conta uma lembrança sobre essa música:
“Lua Branca” era a canção preferida do meu irmão Cássio que, além das serestas, gostava de se divertir junto com dois amigos inseparáveis: o José Badu de Aragão Gesteira, o Zé Badu, e o José Augusto dos Santos, o Zé Manquinho, que tinha esse apelido por causa de um defeito na perna. Apesar da farra que aprontavam, toda vez que o Cássio cantava Lua Branca, os dois ficavam embevecidos e o Zé Manquinho costumava jogar o chapéu no chão, pisá-lo repetidas vezes, com os cabelos eriçados. Depois que o meu irmão saiu de Ouro Preto, os dois brigaram e o Zé Manquinho entregou-se à bebida e contraiu tuberculose. Certa vez pediu-me que cantasse para ele a Lua Branca e poucos dias depois faleceu. (LANARI, 2003)
Este livro chama-se Ouro Preto em Seresta e é o xodó do meu avô, que com muito sacrifício – como o é para qualquer escritor no Brasil – conseguiu editá-lo através do patrocínio da USIMINAS e lançá-lo em uma Biblioteca Municipal de Belo Horizonte e na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Preciso confessar que um dia fui bem parecida com Guilherme Augusto. Quando, por exemplo, digitei o caderno com as letras das serestas compostas pela família, que se perderiam se não o fizesse. Quando descobri que possuíamos um parente poeta que logo me identifiquei por também escrever poemas. Quando soube que nossa família tem uma vertente Drummond, ah! Fiquei radiante.
Precisamos ser um pouco Guilherme Augusto para não nos perdermos no tempo em que vivemos, sem jamais sermos lembrados por nossas histórias contadas pelos nossos descendentes. Mergulhe na história de sua família! Quem sabe você não possui um Machado de Assis como parente?
Maria Clara Lanari Barros
Os professores, por Valter Hugo Mãe
Há 5 anos
3 comentários:
Parabéns, Maria Clara, pelo texto! Bom incentivo ao resgate das histórias de família...Não se pode deixar perder tanta experiência vivida/construída junto! Nosso tempo é prodigioso em tecnologia capaz de registrar a memória. Mas, será que o mais importante para reavivá-la - as narrativas, que recuperam /realizam as experiências - ainda têm espaço? Só a tecnologia não impulsiona a memória... Vamos abrir espaço para as narrativas, como você o fez! Parabéns!
Sandra La Cava
Maria Clara, adorei!!!!!Que texto gostoso! Que presente abrir o BLOG e ver essa surpresa... Isso é bom demais!! Adorei sua narrativa da família. Muito bom o texto, suas histórias, a poesia do título escolhido... Parabéns!!!
Adriana
Adorei o texto, Maria Clara! Demonstra um alto nível de sensibilidade e criatividade.
Eu penso que a tecnologia impulsiona a memória sim, precisamos apenas saber usá-las.
Parabéns!!!
Giancarlo
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