quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O GUARDA-CHUVA, O TEMPO e A NARRATIVA - uma experiência?

Narrando vou retornando ou retomando, tal qual a roda gigante, que de maneira cadenciada roda, roda... (como a roda do guarda-chuva de Pérpetua...) Quando pára, para embarcar um novo passageiro, o faz de forma igualmente ritmada. Como o viver, sem perder de vista detalhes. Detalhes que de tão vividos necessitam ser narrados.
Será que Perpétua após retomar as voltas de sua vida, no texto de Sylvia Ortoff, continuará tão perpétua? Talvez o seu retornar, ou o retomar da própria narrativa possa tê-la tornado mais mortal e possivelmente, inesquecível. Walter Benjamin alerta para essa questão: relembramos ou narramos para não esquecer e também para pretensamente nos tornarmos imortais. Nada mais mortal do que o desejo de se tornar imortal.
Narrando nos apropriamos do tempo tornando-o literalmente concreto para si e para os outros. Posse à qual nos agarramos, e que não queremos perder, e porque não confessar?
A narrativa é (re) construção das experiências factuais pela via literária. É um meio de descobrir e explorar novas formas de contar a própria vida. E a vida se faz nas rodas do tempo. Como aplacá-lo de forma a parecer-nos menos cruel? Lembranças, muita imaginação e um toque de humor. Foi assim que Sylvia Ortoff conseguiu nos traduzir a história de "Perpétua e seu guarda-chuva". Perpétua é ela, a autora, mas também um pouco de cada um de nós. O tempo leva muitas coisas, menos as memórias.
A narrativa é uma "chuva de palavras". Não desconexas, mas apropriadamente posicionadas, qual jardim cuidadosamente planejado. Se palavras fossem pingos de chuva, não manteria meu guarda-chuva aberto. Deixaria banhar-me nas águas da inspiração. Seria alguém "ensopado de idéias". Ah! E o guarda-chuva? Quando tomados pelo espírito da literatura, somos como crianças soltas na tempestade: brincando com o vento, as poças d´água e a borrasca. O tempo pode secar parte do que se enxarcou.
Aliás, precisamos sempre nos cuidar para que o tempo "não nos seque demais". Então, para que o guarda-chuva? Sim, sim! Perpétua o utilizava para rodar a roda do tempo. Para frente, para trás. Não tenho um guarda-chuva como esse, o meu é bem comum, me parece alguém esquálido vestido de luto. Ora, narrativas também tem seus momentos tristes... ou não?
O tempo, intransigente em sua caminhada, é o "pai das narrativas". Uma vida sem histórias, é uma vida vazia. É como olhar para cima, para meu guarda-chuva aberto: uma armação magra que sustenta um nylon negro. É como se estivesse vendo uma noite sem estrelas. Qual a graça? A roda gira...a vida segue...Imagens, idéias, pensamentos construídos precisam ser narrados. Não dá para guardar tanta emoção que a vida se nos apresenta. E nesse movimento, ora rápido, ora mais vagaroso, na alteração natural do tempo, construímos nosso caminho. E o guarda-chuva vai nos impulsionando a novas aventuras... Mergulhamos no passado que se torna presente à medida que a subjetividade resgata momentos fortes vividos e con-vividos. Acolher a vida e narrá-la para eternizá-la. É o que resta ao homem, limitado e poderoso, enfim.
Autores: Célia Ribeiro, Giancarlo e Sandra La Cava

3 comentários:

Adri disse...

Ficou muito boa essa elaboração de vocês! Ainda mais depois daquele encontro maravilhoso cheio de boas reflexões!!
Adriana

Silvia Tkotz disse...

Encantador o texto. Despertou-me o desejo de compartilhar as leituras, os encontros, as discussões...
Silvia Tkotz.

Adri disse...

Olá Silvia,
Vamos convidá-la, hein?
Beijos,
Adriana