Trazemos um trecho de uma entrevista concedida pela prof Eliana Yunes à revista do SESC-Rio por ocasião do Simpósio de Contadores de histórias. Eliana Yunes é professora da PUC-Rio, pesquisadora renomada na área de leitura e uma das coordenadoras da Cátedra de Leitura da UNESCO.
A que você atribui que, em pleno século XX, o conceito de leitura, na maioria dos casos, fique restrito, exclusivamente aos livros e à escrita?
A tradição da escrita é fundadora da cultura ocidental a partir do médio oriente onde emergiram os “povos do livro”, para os quais a palavra sagrada, graficamente registrada, tornou-se ícone de poder também temporal. Com isto a escrita passou a signo controlado pela capacidade de decifração, dependente de intérpretes autorizados, o que tornou a leitura uma to cercado de regras e cuidados próprios com a “verdade” dos sentidos. A capacidade de leitura existente anterior à escrita, leitura de mundo, “dos sinais dos tempos”, dos acontecimentos, traduzidas em formas orais, ainda que consolidadas pelos costumes, perderam a sua força. A imagem teve sua expressão narrativa reduzida a uma cena – ver nos museus o apogeu da pintura nos séculos pós-renascentistas é somente com a emergência de novos suportes, a criação de novas linguagens –cinema, TV, outras mídias no século passado, -atentou-se para a necessidade de formar leitores para estes modos de narratividade que já estivera presente na oralidade dos povos ágrafos.
Depois o mundo contemporâneo não deu conta de alfabetizar para a construção dos sentidos e com isto tornou o peso da leitura mais atrelado ainda ao livro, tido como suporte de transmissão do conhecimento efetivamente válido e universal.
Você considera a televisão “inimiga” da leitura, como muitos afirmam? Com o avanço das novas mídias, principalmente no mundo virtual, a tendência é a de que o livro, fisicamente falando, desapareça?
São duas perguntas, mas elas de fato, têm conexão: a TV com certeza redistribuiu o tempo de “lazer” e ampliou o circuito de informação. Mas há um tempo para cada coisa debaixo dos céus ,diz Eclesiastes. Trata-se de como a vida doméstica valoriza e usa os meios de formação e informação. O cinema não morreu com a TV, nem vai morrer com o DVD. A fotografia não matou a pintura, nem a gravura. A leitura interage com todos estes suportes e linguagens e o livro não vai desaparecer, nem frente ao e-book; os pergaminhos e rolos (hoje desenrolamos textos na internet) passaram a cadernos e brochuras sem que bibliotecas desaparecessem. Não é para temer novas modalidades de comunicação. O que interessa é a narrativa, a literatura, o texto, esteja onde estiver, pois é o pensamento e o sentido, a linguagem, que nos faz humanos.
Fonte: Livro, leitura, literatura... Eliana - Entrevista realizada com Eliana Yunes. Revista do SESC-Rio, ano 1, n° 5, novembro de 2008.
4 comentários:
Gostei muito do trecho da entrvista de Eliana Yunes. Em especial quando ela nos fala da importância da linguagem e dos sentidos, que é o que nos faz humanos. Como ela também acredito que o livro pode interagir com novos "locais " ou formas de linguagem, mas desaparecer, de forma alguma.
Muito boa esta amostra da entrevista de Eliana Yunes.Me chamou atenção a questão que ela levanta a respeito das possíveis leituras das imagens, de outras formas de narrativas que ,por muitas vezes, não estamos preparados a fazê-las. Sobretudo em uma sociedade onde a imagem é privilegiada.Estamos perdendo muitas histórias...
Olá Andrea,
Que bom te encontrar de novo por aqui... Bom que também acredita no livro "que fica" embora saibamos que outros suportes hoje também deixem marcas importantes em nossa história. Todos os que nos fazem humanos, criadores, pensadores. Aí está a internet que não me deixa mentir... O quanto a gente não lê, aprende, pensa e troca por aqui, né?
Com tudo isso o que se percebe é que cada meio ou suporte tem seus bônus e seus ônus. Cumpre-nos aproveitar o que de melhor cada um deles tem a oferecer.
Beijos,
Adriana
Oi Célia!
Sua presença aqui me deixa feliz! Bom saber que sempre podemos estabelecer boas trocas. É verdade que aimgem é privilegiada em nossa sociedade mas também é verdade que temos esse compromisso de ampliar nosso olhar sobre elas. As leituras e debates reflexivos sobre o que elas nos dizem, o que mexem conosco são parte dessas nossas formas de percebermos suas histórias. Não estamos perdendo histórias estamos abrindo mais e mais possibilidades de perceber histórias antes não vistas e não percebidas. Não podemos ver e saber de tudo afinal!! Mas podemos ver e saber sempre mais, um pouco mais e cada vez melhor.
Beijos,
Adriana
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