Assim como na postagem anterior falamos de galos tecedores das leituras trazemos nesse momento um conto de André Aguiar que nos faz pensar um pouco sobre os espaços em que as leituras e histórias não são compartilhadas e os espaços em que elas permanecem vivas no criar, contar e recontar histórias. Em nosso grupo do PIC procuramos sempre pensar sobre isso.
Na cidade de Pândegas vivem os contadores de histórias. Vieram em caravanas e se instalaram de forma desordenada. Construíram cada parte da cidade de uma forma muito peculiar: no meio de conversas, contando histórias sobre a origem de cada recanto, como se o chão em que pisavam cobrisse uma cidade anterior. E assim, Pândegas, mesmo feita às pressas, ganhou a cor histórica, aceitando nos seus anais tanto reinados sanguinários quando períodos de paz.
Pândegas, séculos depois, passou a exportar histórias. Mesmo que cada habitante, do prefeito ao limpador de chaminés, sofressem do chamado bloqueio durante um tempo, chegava alguém com algum fato tão interessante que imediatamente a história ficava registrada na excelente memória dos pândegos. O comércio incluía não só contadores de histórias, mas revisores para que as histórias fossem impressas em rolos e pergaminhos, acomodadas no imenso galpão e posteriormente exportadas. Foram também contratados tradutores, adaptadores, roteiristas, críticos e organizadores de antologias.
Pândegas também ficou conhecida pelos seus piratas de terra firme, que atravessavam grandes distâncias e, disfarçados de mercadores ou meros turistas, recolhiam as histórias de outras cidades, dos portos e das docas, e com a carga guardada na memória (todo pândego tem uma memória avassaladora) faziam o percurso original e depositavam nos ouvidos dos escribas tudo o que foi recolhido.
O problema, conhecido apenas pelos mais temerosos da crise financeira, arruinando o comércio dessas histórias, é que os piratas não achavam exatamente cidades, mas ermos, despovoados, encostas íngremes que impediam de chegar a alguma civilização. Daí, cansados, montavam acampamento e ao redor de fogueiras, inventavam possíveis cidades com características próprias, jeito de viver, proliferação de pragas e, com muito debulhar, as histórias nascidas disso. Também não eram tão pródigos na memória, então desenvolveram uma linguagem de objetos: recolhiam na estrada ora galhos, pedras, flores, borboletas ressequidas e segundo uma disposição nos alforjes, construíam o enredo das lendas, a cor dos provérbios, a brasa do humor.
Pândegas era uma civilização terminal. Não se sabe se sofreu com o peso das histórias, mas por ter sido construída em terreno instável, dobrou-se sobre o seu epicentro e literalmente foi fechada como um livro, deixando como vestígio uma capa de poeira, escombros e cinzas.
André Ricardo Aguiar, clube do conto
Fonte: http://clubedoconto.blogspot.com/search/label/Conto acesso em março de 2009
7 comentários:
André, essa História é maravilha!!!
Ah, fiquei encantada com o Blog do Clube do conto.
Parabéns!!!!!!!!!!!
André, adorei seu conto! Afinal, contar pressupõe criar, lembrar, esquecer...
Monique e Sílvia,
Também achei o conto muito bom!! Valeu pela publicação, não? Obrigada ao André que nos permitiu a publicação! E parabéns novamente!
Beijos,
Adriana
André,
Gostei muito de seu conto!!
Li mais de uma vez, pois acho que ele possuí váris leituras.Não seríamos piratas que ao recontar as histórias lidas, ouvidas e presenciadas, fantasiamos e até as modificamos com a nossa leitura?
Parabéns André !
Parabéns ao PIC Pedagogia, também, por mais esta.
Toda cidade é como "Pandega", sempre achamos um para contar uma história e que ao final se fecha como um livro, mas continua vivo, a espera de outro que o venha a abrir.
Márcio e Célia,
Interessante como fazem novas leituras do conto de André! Os sentidos são muitos...
Beijos,
Adriana
O Blog está muito bom, fácil de navegar. Parabéns!
Beijos e boa semana!
Karen
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